Flor do deserto, no Brasil também temos
Hoje, existem pelo menos 150 milhões de mulheres que foram circuncidadas em nosso planeta. Mulheres que aprenderam desde pequenas que seu corpo é impuro, que para serem respeitáveis, precisam ter uma parte de seu corpo arrancada. Esta prática é realizada na África há milhares de anos (bem antes da chegada dos árabes islâmicos), e é reproduzida em outros continentes, de diferentes maneiras, como na Ásia e Europa.
Não existe nada no Alcorão que fale sobre esta prática, nem que seja recomendada. Portanto, isto não é uma prática islâmica.
Mas, ao olhar nossa sociedade ocidental, que parece tão longe disso, vejo que aqui também existem mutilações diárias. Parecemos tão modernos, diferentes dessa realidade africana, mas a mulher aqui ainda continua sendo um mero objeto em diversas situações. Temos uma lei de defesa, a Maria da Penha, mas quantas vezes não lemos no noticiário sobre uma esposa assassinada, depois de dar diversas queixas de agressão?
Do que serve uma lei se, na prática, nossa sociedade conserva os mesmos valores tribais de uma que circunsida? Não estou falando de algo cultural apenas, mas inerente ao homem em todo o globo. Tenho certeza que a cultura Somáli, por exemplo, teria muito a nos ensinar, mesmo praticando a mutilação. Assim como a brasileira, também há nela muitos aspectos positivos. Porém, porque continuamos, no mundo todo, ainda unidos pela violência contra a mulher?
Hoje mesmo, assistia ingenuamente ao Globo Esporte, programa de tarde com aquele apresentador que se faz de engraçadinho, e falaram que iam mostrar uma reportagem sobre nosso futebol feminino. Que aliás, no Brasil não tem nenhum suporte, nem o jogo transmitem. Achei que finalmente ia ver o talento de nossas meninas, muito além do time masculino. Fiquei de boca aberta. Foram alguns minutos, dedicados a mostrar como a goleira do time dos Estados Unidos, Hope Solo, era “gostosa”.
E agora, de noite, vi um filme que me tocou em muitas coisas, talvez além do que ele proponha. Se chama “Flor do deserto” (Desert Flower), que conta a história de Waris Dirie, uma mulher circuncidada, que conseguiu fugir de sua tribo e imigrar para Londres. Lá, é descoberta e vira uma grande modelo, hoje tem uma fundação para tentar mitigar a prática de mutilação em mulheres.
O filme é muito interessante, nos leva a refletir sobre as poucas escolhas que estas meninas de tribos têm em suas vidas. Porém, eu talvez tenha feito uma reflexão ao contrário, e vejo aquela sociedade como um espelho inverso da nossa. Não somos superiores, nem inferiores, mas cometemos as mesmas espécies de erros. Alguns talvez não tão dramáticos, porém não menos pungentes para quem os sofre.
Não acho que ser uma grande modelo, expor seu corpo e viver apenas do seu físico, seja algo vanglorioso, isto é apenas este reflexo torto do qual estava falando da sociedade somáli, em nossa própria vida ocidental.
Eu me assusto, por exemplo, com o número de pessoas que eu conheço que já fizeram uma cirurgia plástica, ou se submeteram a procedimentos arriscados, como operações do estômago, apenas por querer e ter de fazer parte de um padrão. Sempre me pego perguntando, tantas meninas lindas por aqui, por que não se sentem amadas? Por que se sentem rejeitadas, ao ponto de permitir um bisturi cortando sua carne, aqui no Brasil, por escolha? Isto nada mais é do uma circuncisão também, porém de vontade própria e bem paga. E já faz parte da nossa cultura, assim como a do clitóris acontece na Somália. E ninguém aqui se dá conta disso, não há protestos contra o silicone, mas contra a mutilação feminina, qual é o senso? Somos tão diferentes, mas tão iguais.
Não condeno a burca, nem o biquini. Queria apenas que as mulheres fossem felizes como o que são, e respeitadas por suas qualidades que vão além de seus corpos.
aqui está o trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário